onselectstart='return false'>

27 Invernos

03 janeiro 2013




ATO I

Não havia quase nenhuma respiração, o ar cortante atravessava seus pulmões
Seu coração inundado em desencanto, as vozes apenas lamuriavam um cântico fúnebre
Sua juventude encapsulada em uma densa tristeza, fria, calma, absurdamente branda.
Não se sentia bem ali, não se cabia bem ali e muito menos desejava estar ali.
A única saída foi desenhar sua própria sentença a qual prometera a si mesmo um dia.
Seus pulsos clamavam para serem perfurados, rasgados e sentidos.
Desiludido do que ele próprio denominava vida, seus olhos quebrados sentiam a dor.
Uma dor da qual não sabia a procedência, apenas a abraçava como se fosse sua melhor amiga e em muitas ocasiões ela se tornava tal.
Alguns anos se passaram e os pulsos cantavam como num coral desejando que seus poros fossem dilacerados de alguma forma, ele respondeu ao canto e assim tentou fazer com que aquilo parasse de uma só vez.
Cartas de baralhos espalhadas pelo tapete azulado, na TV vozes aleatórias falavam nada
“O corte será profundo” pensou, mas será de uma só vez, ao tentar introduzir o material cortante em sua pele, soluços cantarolavam uma canção mais triste ainda e as lágrimas desciam como uma cascata a jorrar livremente. Desistência.
O tempo caia como neve em um inverno não desejado e fincado em seu interior,a estação passou, mas dentro de si o inverno era constante e assim como os ventos que atravessava seus pulmões...Cortante.



ATO II

                                                                                           
Uma branda voz acalentou seu peito em uma manhã morna com nuvens no céu
O sol brilhava de forma tão surreal, mas o cheiro da chuva ainda podia ser sentido
Ele se levantou de uma queda a qual não esquecera em nenhum momento.
Havia cicatrizes ainda, não físicas, mas cicatrizes na alma
Foram longos invernos que vivera, foram ciclos de estações que pareciam infinitos
Mas o inverno sempre era o que mais demorava com sua presença devastadora
A voz soprava em seus ouvidos palavras que não ouvia há tempos, ou não se lembrava de ouvi-las algum dia.
Isso lhe fez bem.
O dono da voz que surpreendia seus tímpanos com clareza o chamou para acompanhá-lo em uma jornada, mas ele não desejava sair do seu recôndito, não desejava mostrar sua fragilidade à luz do sol e assim não o fez. Recaída.
Mais duas vezes seus pulsos desejosos lhe chamavam a atenção, duas frustrantes tentativas e assim o fez cansar de tentar.
Novamente a voz sussurrou pelo seu nome e de súbito o medo tomou conta, pois já tinha esquecido aquela voz que outrora o chamara.
Suas lembranças foram se formando e assim lembrou-se de um tempo que se passou, quando ouviu pela primeira vez aquela voz.
Mais um convite. Um olhar. Uma decisão.
Seus olhos úmidos, desta vez por sentir a ternura de quem fora ao seu encontro quando não havia saída em nenhum lugar.
Segurou na mão do dono daquela voz,seguiu seus passos e hoje caminham juntos e nenhum inverno desde aquele momento, mesmo o mais intenso pôde congelar seu coração.Uma chama arde e não se apaga, ali faz morada.E um sorriso brota em seu semblante

                                        




                                                                               

0 comentários: