ATO I
Não havia quase nenhuma respiração, o ar cortante
atravessava seus pulmões
Seu coração inundado em desencanto, as vozes apenas
lamuriavam um cântico fúnebre
Sua juventude encapsulada em uma densa tristeza, fria, calma,
absurdamente branda.
Não se sentia bem ali, não se cabia bem ali e muito menos
desejava estar ali.
A única saída foi desenhar sua própria sentença a qual
prometera a si mesmo um dia.
Seus pulsos clamavam para serem perfurados, rasgados e
sentidos.
Desiludido do que ele próprio denominava vida, seus olhos
quebrados sentiam a dor.
Uma dor da qual não sabia a procedência, apenas a abraçava
como se fosse sua melhor amiga e em muitas ocasiões ela se tornava tal.
Alguns anos se passaram e os pulsos cantavam como num coral
desejando que seus poros fossem dilacerados de alguma forma, ele respondeu ao
canto e assim tentou fazer com que aquilo parasse de uma só vez.
Cartas de baralhos espalhadas pelo tapete azulado, na TV vozes
aleatórias falavam nada
“O corte será profundo” pensou, mas será de uma só vez, ao
tentar introduzir o material cortante em sua pele, soluços cantarolavam uma
canção mais triste ainda e as lágrimas desciam como uma cascata a jorrar livremente.
Desistência.
O tempo caia como neve em um inverno não desejado e fincado
em seu interior,a estação passou, mas dentro de si o inverno era constante e
assim como os ventos que atravessava seus pulmões...Cortante.
ATO II
Uma branda voz acalentou seu peito
em uma manhã morna com nuvens no céu
O sol brilhava de forma tão surreal,
mas o cheiro da chuva ainda podia ser sentido
Ele se levantou de uma queda a qual
não esquecera em nenhum momento.
Havia cicatrizes ainda, não físicas,
mas cicatrizes na alma
Foram longos invernos que vivera, foram
ciclos de estações que pareciam infinitos
Mas o inverno sempre era o que mais
demorava com sua presença devastadora
A voz soprava em seus ouvidos
palavras que não ouvia há tempos, ou não se lembrava de ouvi-las algum dia.
Isso lhe fez bem.
O dono da voz que surpreendia seus tímpanos
com clareza o chamou para acompanhá-lo em uma jornada, mas ele não desejava
sair do seu recôndito, não desejava mostrar sua fragilidade à luz do sol e
assim não o fez. Recaída.
Mais duas vezes seus pulsos desejosos
lhe chamavam a atenção, duas frustrantes tentativas e assim o fez cansar de
tentar.
Novamente a voz sussurrou pelo seu
nome e de súbito o medo tomou conta, pois já tinha esquecido aquela voz que
outrora o chamara.
Suas lembranças foram se formando e
assim lembrou-se de um tempo que se passou, quando ouviu pela primeira vez
aquela voz.
Mais um convite. Um olhar. Uma
decisão.
Seus olhos úmidos, desta vez por
sentir a ternura de quem fora ao seu encontro quando não havia saída em nenhum
lugar.
Segurou na mão do dono daquela
voz,seguiu seus passos e hoje caminham juntos e nenhum inverno desde aquele
momento, mesmo o mais intenso pôde congelar seu coração.Uma chama arde e não se
apaga, ali faz morada.E um sorriso brota em seu semblante
0 comentários:
Postar um comentário