Enquanto desenho as camadas de cada letra neste pedaço de
papel tão pálido quanto a noite que envolve os rostos decadentes escuto a
melodia que suga os ares da eternidade.
Preciso incendiar a chama mesmo debaixo desta chuva,
necessário é manter-se vivo em caso de sobrevivência, pairar sobre o vácuo
deste instante sabendo que somos eternos.
Mas as paredes dançam.
Cortam-se os pesares que outrora carregávamos sobre nossos ombros
doloridos, ouvimos aquilo que sempre nos fora dito, porém nunca desejamos estar
tão perto quanto agora, sabemos que somos eternos.
Cada gota gritante de chama que cai do sol e atravessa os
polos desta camada atmosférica se torna maravilhosa quando nossos olham se
chocam com brancura e brandura de sua luz ofuscante. O desejo de voltar ao lar
é abundante quanto as cataratas que sugam a visão de muitos que não desejam ver
ou fingem.
Aguardo o abraço desta sinergia que perpetua o universo a
cada segundo, tenho certeza que o tempo e espaço serão moldados enquanto falas
aos homens que se deleitam em cada camada de todas as letras desenhadas neste
pedaço de papel.
Os sinos bradam.
O pensamento flutua somente nas águas da memória quando teu
rosto ancora-se no porto da minha mente e assim meus passos mesmo mal dados
neste solo liso e escorregadio saltam sobre as cabeças dos ambulantes
desgovernados que desejam perder sua liberdade achando que serão livres por
alguns instantes.
Nesta altura ascendente iremos alçar voos deixando que o suicídio
se mate de tanta tristeza. Vamos deixar que nossa depressão se assuste com o
tormento quando sairmos com nossa felicidade porta a fora. Estamos certos que
somos eternos.
O vento canta.
Os subúrbios cheios de corações amarrotados mesmo depois de
serem engomados cortam os pulsos com sua alegoria desdenhosa de uma vida
maltrapilha, mas acreditamos ainda que toda essa imagem não se perpetuará na
moldura deste quadro deprimente.
Sei que nosso tempo está tão ofegante quanto nossa respiração,
sei também que a vida está tão fatigante quanto nosso corpo, mas ainda sei que
mesmo que as paredes continuem dançando sua valsa no escuro e os sinos
despertem com seus brados na aurora que estar por vir e ainda que o vento cante
suas lamúrias em cada estação que não cansa de se repetir eu sei que somos
eternos e nada do que foi dito até aqui vai tirar esta certeza que não cabe
mais em mim.